quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

já pia

há imagens que ficam para sempre. há gentes que vivem a carregar a imagem que um dia ficou - nasceu do pior, do degredo, da devassidão de outras gentes. e à luta pela sobrevivência junta-se a luta pela decência, qual imagem tornada irreal, invisível, inexistente, por entre leituras ou lembranças de outros dias. porque um passado pode e deve definir um futuro daqueles que o mancharam a presente; porque um passado não pode e não deve definir um futuro dos outros - dos que merecem viver, corcundice de deitar fora, livres do peso do passado dos fazedores de manchas. 

agora há música em um coração, imagem, que já pia.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

risota pegada

passou a tarde a colocar silicone em uma extremidade da pia. já no carro, a caminho do centro de saúde, queixa-se dos resquícios do cheiro nas mãos. não faz mal, pai, se a médica sentir - e perguntar - dizes-lhe que acabaste mesmo agora de apalpar mamas modernas.

grândola vila morena à la portuga do século vinte e um

na terra da falta de fraternidade canta-se, não para espantar, para espalhar os males.

eis a minha sugestão para alteração da letra:


Grândola, vila morena
Terra da mediocridade
O povo é quem mais se ordenha
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais se ordenha
Terra da mediocridade
Grândola, vila morena
Em cada esquina, um inimigo
Em cada rosto, desigualdade
Grândola, vila morena
Terra da mediocridade
Terra da mediocridade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, desigualdade
O povo é quem mais se ordenha
À sombra duma videira
Que já não sabia a vinagre
 Jurei pôr-te na mira
Grândola, a tua ira
Grândola a tua ira
Jurei pôr-te na mira
À sombra duma videira









Que já não sabia a idade

encontro espontâneo

vamos cruzar-nos?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

do sanitar se faz gente

as tarefas domésticas são sábias porque nos induzem, se quisermos atribuir-lhes o devido valor, à sabedoria. lavar a louça, por exemplo, pode ser um óptimo exercício de reflexão ou até de achar a solução para um problema - é uma questão de sair do quadrado ou do redondo que é a pia e lavar não só, mas também, a louça. mas nem sequer foi com esta tarefa que cheguei n conclusão de que o mundo precisa de gente gira. o que é gente gira? antes de mais convém referir que foi a lavar uma sanita, depois da desinfecção e já na parte do brilho com um pano sem pêlo, que me ocorreu a gente gira. gente gira é, então, toda aquela que de bagagem apetrechada, bem apetrechada, não deixa que esta lhe ofusque a visão periférica do viver. a gente gira é leve, não se sente melindrada por confessar que gosta de comer banana dentro do pão ou engolir a gema do ovo estrelado inteirinho para ele estourar em êxtase no paladar; a gente gira gosta de conversar e trocar ideias e risos e não pensa 20384657592029 vezes, espontaneidade em bicos de língua, antes de falar; a gente gira não tem receio de se mostrar se mostrar fizer parte daquilo que está a fazer com o outro (de outra forma qual é o papel do outro e para que vale conversar?); a gente gira não se perde em labirintos nem em jogos porque não existe para perder nem para ganhar - só para viver. 

entretanto, já na parte da limpeza da banheira o assunto passou a ser outro - giro, também de gente, mas outro. depois um dia destes se me apetecer, conto.



de cabrão a cabrãozinho

estou convencida que por vezes o corpo prega-nos partidas para nos darem lições de vida. teve dois enfartes quase seguidos e em um espaço de duas semanas, aproximadamente, muita coisa mudou em redor - inclusivé em mim que, perante a fraqueza do meu pai a que nunca estive habituada, passei a dar mais atenção à linguagem do universo. e agora sei, tenho a certeza, do porquê de ter sido necessário ele, o ex-cabrão do universo, arrancar-me tudo: de outra forma nunca teria mudado de cidade. 
com o entendimento chega a tranquilidade e passei a chamar-lhe cabrãozinho.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

sabor

faço questão de saber a que sabem todos os meus passos: a minha cadela lambe-me os pés e logo de seguida eu lambo-lhe a língua.

frescura

já não me lembrava de ver os verdes cobertos com uma manta branca de lã,
 tão frágil, 
que passando a mão sussurram: cuidado que podemos par
tir
-nos
 todos. e então, com a ponta dos dedos, muito ao de leve, sente-se um fresco molhado como quando em dias quentes de verão recebemos a brisa do mar em final de tarde. as mantas brancas de lã das manhãs de inverno são as brisas do mar do verão. 

no fundo, nem sequer é preciso aprofundar muito para sabermos, a frescura da natureza está para nós, se a quisermos abraçar, o ano inteiro.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

bacanal

acontece que o bolo ficou de uma boniteza por fora e completamente cru, em estado líquido, por dentro a uma temperatura leve de 150ºc.o que é estranho. isto leva-me a concluir duas coisas: a primeira é que, sectárias, laranjas e cenouras, não ligam com espontaneidade, só se gostam pela cor; a segunda é que remediar é um verbo típico português - já que consegui fazer deste último falhanço um bolaço de chupar os dedos e até de eles se chuparem a si próprios e uns aos outros: um bacanal de tacto e paladar.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

solha

as solhas são difíceis de amanhar por serem muito achatadas e de cabeça pequenina. além disso são bastante escorregadias. em contrapartida fazem as delícias do paladar. nem sei bem como é que o povo nunca se lembrou de meter uma solha em um provérbio popular, do género: dia em que não entra solha venha o diabo e escolha.

espero que o cheiro a peixe das minhas mãos tresande - afinal de contas, pelos dedos renasce o peixe.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

a pomba que arrotou a doce

em um elevador público, a ougar, convencidíssima de que o homem tirava da embalagem pequena que trazia na mão, com satisfação, m&ms: dá-me, por favor, um que estou a ougar? esgar de espanto, o dele, e  desconsolo meu: eram miniaturas de bolachas (dispenso bolachas, não aprecio). e, guardando-a - sem ele perceber- no bolso para dar à pomba que se cruzasse primeiro comigo, agradeci.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

cera boa e bem-vinda

os ouvidos haviam de ter uma tampinha, para onde caíssem as palavras dos outros, com uma redinha coadora: retido, pronto a esvaziar, ficava tudo aquilo que ouvimos ou que nos dizem que não queremos. e não acumulávamos merda, só cera, tão bom.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

estupidez sincera

oito euros na carteira e ainda sem almoçar. desculpe incomodá-la mas não tem uma moeda que me dê para eu conseguir juntar dinheiro para ir para Bragança? fui enganado num trabalho e não tenho como voltar para casa - ando aqui desde as dez da manhã para arranjar sete euros e meio. quanto lhe falta? tenho um euro. então pegue lá seis euros e meio.

sinceridade estúpida

como dadora de sangue páro no parque. vai dar sangue? não, vou ver o meu pai. então tem de sair.
(parece que adivinhou, o que nem sequer me passou pela cabeça, que ainda teria de esperar cinco horas para vê-lo)

JJ: vais-te minar

não dá para aguentar mais: é urgente fazer um cataterismo ao coração da política portuguesa, não dá sequer para esperar que, até 2015, o governo morra de enfarte. é enfiar-lhe o cateter para desbloquear todas as veias e artérias. já. o povo, mesmo unido, sozinho não consegue. imobilize-se o sector produtivo - unam-se os empresários para fazerem cair o governo, ajam pela não-acção; inibam-nos de chafurdarem na merda que fazem porque a merda já começa a tirar-nos o ar que respiramos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

imprescindíveis



nutro um carinho especial por colheres de pau. na restauração é proibida a sua utilização por conta das bactérias que acolhem e mantêm no meio da madeira - percebe-se e subscrevem-se as regras do HACCP. no entanto, na minha cozinha - ou em qualquer outra que me sirva de base da alquimia -, são-me imprescindíveis: pequenas, grandes, ponta reconda ou quadrada, rasas ou fundas, não interessa. o que me importa é que sejam de pau e quanto mais antiga e carcomida fôr a madeira melhor. são lindas, maravilhosas, de uma elegância estonteante por fazerem com delicadeza os movimentos que inauguram o manjar. hei-de arrecadar muitas colheres de pau para quando chegar o dia em que simplesmente não serão fabricadas, a mim não me faltarem.

e hoje encontrei mais uma, moreninha, quase torradinha nas extremidades, uma beldade.

na terra dos rancheiros

foi giro rever as personagens e as marcas do tempo. ouvir a música do genérico e as pronúncias. nem sei bem há quanto tempo a série começou a passar na tv mas lembro-me de tudo como se tivesse sido ontem. e foi.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

sense of life

fui ver, curiosa, e dei comigo em outro lado. houve um desvio, o endereço já não existe, e uma surpresa. uma surpresa boa.


de romantismo reza a história

custa-me imensamente perceber a dificuldade, ou talvez a resistência e oposição, de uma grande fatia de gente que considero inteligente excluir a hipótese de a inteligência ligar com romantismo. parece-me uma falha gravíssima de inteligência, uma espécie de hiato, como se espaço entre os lábios de corola, de ocorrências sensíveis, que dá nos que são, e sabem ser, inteligentes. já sem falar nos dias de hoje, a história está carregada - quiçá corcunda - de gente inteligente com um romantismo quase irrespirável de tão maravilhoso em qualquer arte que reflicta (também é preciso saber bem distinguir entre o ser e o parecer que apenas apanha a corrente) o romantismo. talvez confundam, os anti-românticos, romantismo com azeiteirice ou pimbalhice - mas isso é problema vosso, queridos: vão, ide, apurar o vosso senso de oportunidade para acharem os românticos já que me parece estar o apuro no tal desencontro. é uma espécie de desprezo, olhar envinagrado, sobre aquele que é um estilo de ser e de estar, que lançam os anti-românticos.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

breve história sensível

era uma vez uma pedra pomes que vagueava indiferente por superfícies lisas depois de ser cuspida, para a vida, por um vulcão.

moral da história: há muita gente com a sua falta de sensibilidade: só se toca com calosidades.

aqui fica um hino à sensibilidade:


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

tradição

os cemitérios já não são o que eram: campa sim campa não há flores de plástico roscofe, daquele carcomido pela humidade do tempo, uma puta de uma crise. e entretanto ele chegou-se a nós, um conhecido da minha madrinha querida e fantástica, senhor que terá a mesma idade que ela, de setenta e sete anos  - um poço de bom humor, e diz: já sabem que hoje não se pode comer carne, já não se respeita a tradição. de imediato, concordei com o desuso da tradição mesmo nunca tendo sido sua fã e rematei: mas também de que vale não comer carne na mesa se vocês, os fiéis a essa tradição, depois chegam à cama e desfazem o sexo?
a minha titi riu-se toda comigo mas ele, o senhor da tradição, ficou engasgado. e nem riu nem piou.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

é mesmo isso

vão apanhar no cu.

caixão

quem se mata tem mesmo de deixar dinheiro para pagar o funeral, é uma questão de dignidade.
mas tu achas que na situação em que o país se encontra haverá muita gente que consegue pagar o próprio funeral?
não, não haverá.
mas então qual é a tua ideia, o que estás a querer dizer?
estou a dizer que este governo é um incitador à vida.
de facto, só mesmo tu para descobrires algo positivo nestes cabrões.
mas eu disse que é positivo? desde quando viver é ter de fazer prova constante de dignidade perante os outros?
então estás a querer dizer o quê que não estou a perceber?
estou a dizer que há quem viva, em tragos constantes de dignidade, a morrer.
tu és complicada.
sou: o meu caixão é aquele ali, cor-de-rosa quando sonho, preto como o dia.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

otroilaré, otroilará

sobreaquecimento e ruído. era assim que estava o meu PC desde há alguns dias - tanto que nem a minha cadela se aproximava dele. já por um fio, por conta de atingir temperaturas elevadíssimas e desligar-se por segurança vezes sem conta, e antes de pegar em um martelo e parti-lo todo, resolvi investigar. li, entretanto, que não é atípico nesta marca acontecer e que muitas vezes a causa está no pó acumulado no dentro. desaparafusei, abri, limpei as tampas, bufei, desaparafusei a ventoínha, aspirei-a, e voltei a aparafusar tudo. 

ah: e já guardei o martelo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

desdarwinizar

está na cara que é cultural.

raios e fodiscos




vão todos para o raio que vos parta, dizem os Deuses. e quando dizem todos querem mesmo dizer todos: todos os que aplaudem, todos os que criticam, todos os que julgam, todos os que se servem do preconceito para combater o preconceito. isto porque os Deuses, preocupados com tudo e com todos, não quiseram usar as palavras que pudessem ferir susceptibilidades de uns e de outros - de outra forma diriam: vão-se todos foder, cambada de fracos de que tem rezado a história e aprendam, de uma vez por todas, que a fé, seja vestida com que roupagem fôr, faz falta. assim como a falta que faz começar por cada um, antes de apontarem a dos outros, uma resignação diária de incompetência pessoal. uma espécie de auto-reclamação no livro do viver que permitirá uma superação de não-conformidades e respectivo ajustamento. e talvez o mundo galope para melhor. sim: o mundo avança em melhoria contínua se cada pessoa fizer o seu processo de melhoria contínua porque o mundo, essa abstracção, não tem costas largas.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

alma de canapé

na clínica, uma mesa com vários montes de revistas de aquelavestiuaquiloeooutroandacomaprimada outra. no fundo, bem escondido, um livro com uma capa grossa e brilhante e diferente, fundo de louça chinesa, chamou-me: era um livro de leilões de antiguidades que me fez companhia durante algumas horas e, desconfiando que ficaria ali subestimado e ignorado por muito tempo, me pediu para vir, mãos dadas, comigo. porque não é roubar tudo aquilo que pode ser feito mais feliz. 

deslumbrante o par de baldaquinos portugueses do século XVIII, em talha de madeira e dourados a ouro fino, com falhas e defeitos, 171 cm; e as cadeiras, onze, Luís XVI, em nogueira, decoradas com talha cordoada terminando em florão, estofadas a veludo verde com poucos sinais de uso? lindas de viver. apaixonante a pequena chaise-longue forrada a seda azul com armação em mogno, faltas e defeitos, do século XIX. e depois a garrafa e o frasco de prata em vidro cor de rosa lapidado, com copo, prato e uma tampa partida em prata javali de colar os olhos e deixá-los ali ao abandono da beleza. seguiu-se, passadas muitas folhas, a taça chinesa em jade branco com armação em ouro com esmaltes do século XIX, deliciosa, poderosa. e o quadro Di Cavalganti (1897-1976), desenho sobre papel representado duas figuras, datado de 1943 com uma moldura linda? tanta sobriedade de cor e existência. mas a minha peça preferida foi o canapé, com vestígios de xilófagos, estilo Luís XVI, francês do século XIX, em madeira entalhada e dourada, assento e costas forrados a tapeçaria de flores, cheio de defeitos, falhas no dourado. 

é maravilhoso o detalhe de todos estes objectos como se houvesse uma tentativa desesperada de lhes dar uma alma na sua concepção. e é isso que a modernidade não faz, foi isso que a revolução industrial e a produção em série veio retirar da criação: a alma. a alma mora no pormenor, nos pormenores que fazem o todo de cuidado, de dedicação, de tempo. até um canapé para ser feito precisa de amor.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

provérbio desenrascado

quando tudo tudo corre mal só há uma coisa que pode correr bem - manteres a saúde mental.

outra coisa boazuda pr'a comer e chorar por mais:

Socratopatia

não posso esquecer de partilhar isto

porque é muito, mesmo muito, bom: quatro aproximações à criatividade.

que não queira

mesmo antes do final do ano que passou, ainda eu morava em Vila do Conde, ai que saudades dos esquilos e das árvores e da areia e do mar, criei neste meu pc uma conta para o meu pai: combinamos que iria aprender a mexer nele. costumam ser os filhos a não terem paciência para ensinar os pais mas neste caso é o meu pai que não tem paciência para aprender comigo. pronto, sendo assim vou tirar a conta dele. olha Franklim, não me vou ficar triste: há muito futebol para veres e muita máquina de ginásio para gastares - faz muito bom, excelente, proveito.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

fornicanço

ontem à noite, enquanto passeava a minha cadela, vi um casal a fornicar dentro da viatura. vamos lá esclarecer isto: tenho nada contra o fornicar e muito menos contra o fornicar em viaturas - mas tenho contra o fornicar em viaturas na praça pública e à minha frente. não eram sete e pico nem oito e meia mas eram nove e tal, hora de muita gente passar na rua para afazeres ou passeios. mas será precisamente a adrenalina de alguém os ver que os excita, pois claro, porque fornicar é algo íntimo e, portanto, não partilhável com terceiros. fará falta a esta foda de gente causas efectivamente potenciadoras da excitação e, na falta delas, saem para a rua para se roçarem nos olhos dos outros. até me parece que serão estes os maiores voyeurs. comigo não têm sorte e se estivessem mais perto da minha entrada era menina, era sim senhora, para desandar com um balde de água para cima do carro. ao menos teriam o gozo de ter uma experiência efectivamente encharcada.

don juan

descobri esta música que apesar de não perceber nadinha do que diz a canção, a não ser don juan, conseguiu pôr-me a abanar a cabeça e o sorriso. é gira.


quase que conseguia

fotografar. não é que ele se tivesse mexido - ficou, aliás, bem quietinho a ver-me observá-lo com alegria. se é verdade que sentimos o que vem de nós também o será afirmar que o que vem de nós também nos sente. e ele sentiu-me. sentiu a minha vaidade perante ele, perante a força da natureza que o terá esculpido com tamanha perfeição sem, obviamente, sem pressa. sim porque fazer à pressa o que quer que seja só pode dar em meros esquissos tantas vezes ranhosos. mas como estava a dizer, não é que seja uma amante da perfeição do fora: gosto muito da imperfeição perfeita mas já no que respeita ao dentro...vá...admito...sou perfeccionista. e não é que hoje caguei, sim, eu sei, cagamos todos todos os dias se tudo está a correr bem e há obstipação quando alguma coisa corre mal, mas eu hoje caguei um coiso absolutamente perfeito. gosto de ver o que faço antes de fazê-lo desaparecer e não tenho memória de um coiso assim: liso, homogéneo, inteiro, nem fino nem grosso, exactamente a meio do orifício da retrete, sem ter espirrado resquícios para lado algum, um coiso, como já disse, absolutamente perfeito. e fiquei ali, aí uns dez minutos, a olhá-lo como de não houvesse amanhã, como se tivesse cagado para sempre. foi um momento feliz, de muita alegria, tanta que corri a buscar a minha máquina para registar a evidência da perfeição. e nada, a puta da máquina fechou-se nela, talvez como que em protesto contra a perfeição. sim, eu sei, a esta altura já estará alguém a pensar que sou porca e execrável e blábláblá. e que seja. mas de uma coisa não me podem acusar - a de ser dada a uma perfeita porcaria. e isso fará de mim uma porca perfeita de uma imperfeição tamanha. excelente.

sem limites



nunca entendi muito bem a expressão "o céu é o limite" por me sugerir, precisamente, limite. talvez precisasse de ler e ver isto para entendê-la. como se voar fosse, e é, com e para além das nuvens, alucinação. e alucinar, entenda-se-me, como apaixonar - sair da caixa da paixão como desvario sem razão mas antes tê-la ali ao lado em consciência de que é lá que conseguimos ser, paixão e razão, ambas.

a nebulosa da gaivota mostrou-me, inspirou-me, que é precisamente quando mantemos o padrão saindo dele que podemos ser quem somos. é aqui que neste ponto, que rocei ainda agora, que ser e identidade se cruzam naquilo que é ser sempre três: 
nós
os outros
o amor/a amizade/(..)

ou assim:

nós
o amor/a amizade/ (...)
os outros

e nunca assim:

o amor/a amizade/ (...)
os outros
nós

nem assim:

os outros
nós
o amor/a amizade/ (...)

atente-se que a gaivota, veja-se como o infinito é sábio, é nebulosa. fantástico.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

contentor de riso

levar o lixo ao contentor pode ser hilariante se encontrarmos alguém que nos diz: amanhã vou dar-te uma coisa para enviares pela ternex. mas depois tens de ficar atenta na ternex. tive de conter o riso, muito riso, porque foi dito com muita convicção e gosto. foi uma questão de aguentá-lo, para soltá-lo, uns minutos até entrar em casa. posso dizer que levei tanto o lixo como o riso ao contentor.

dica esperta

não há melhor hidratante, e protector solar, para os cabelos compridos e morenos, do que a abóbora. faz assim: coze meio quilo dela e, depois de a escorreres muito bem, faz um puré. acrescenta-lhe um iogurte natural e aplica nos fios da beleza quando estiverem húmidos e deixa passar um quarto de hora. depois lava-os normalmente e repete isto de quinze em quinze dias. o resultado? o resultado é teres cabelos como os meus: brilhantes e nunca espigados mesmo só cortando uma vez por ano com a tesoura do peixe. verdade.

tolinho número três

ontem à noite fui recebendo no telemóvel disto assim:

boa noite quanto quer pelo carro
boa noite, com quem estou a falar?
André e você quem é
Olinda deFreitas. Seiscentos euros negociáveis.
E ta bom
nunca me deu problemas, e tem a inspecção em dia, a não ser da normal manutenção para um carro de 94. é uma questão de ver e experimentá-lo.
a sua idade é 94
não percebi. o carro é do ano de 1994 e está comigo há 12.
posso saber a sua idade é que dizem sempre que é de velhinhos ou de velhinhas
que disparate. tenho trinta e oito anos.
você é extravaganza
não. mas tenho telefone fixo se quiser ligar e fôr gratuito.
e se ligar não tem bebés que podem acordar
aqui não há bebés mas há uma adulta que não quer brincar.

e assim se calou mais um emplastro supostamente interessado em comprar o meu carro. foda-se.

onde está a risota?

no dentista perguntei ao meu pai se me dava leite de vaca quando eu era bebé por conta da fragilidade dos meus dentes e as persianas da boca dele nem se mexeram - só as do doutor.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

ja me estava a esquecer disto

diz ela, como que à espera de respostas mudas à questão lançada para o ar, nem sei bem o que é uma alma gémea. logo a seguir ouviu isto: é aquela que não pára de nos surpreender com a sua ao mesmo tempo que não se cansa de ver, e apalpar, as mamas que vão murchando. o silêncio confrangedor que se seguiu levou-a a mudar de assunto. a mim só me deu vontade de rir muito depois do dito, do meu, e da aflição, da dela. e ri.

dilema acabado de desfazer

há aqui um pequenino dilema: devo escrever Português que se preze, por convicção e paixão, ou brasileirês, por mera conveniência, para prestar provas em uma entidade brasileira? das duas uma: ou faço o que tenho vontade e orgulho e há a forte possibilidade de me lixar redonda ou castro a língua e sei, com absoluta certeza, que estou nas segundas eliminatórias. por outro lado, vai doer-me p'ra caralho estar a amputar letras e travessas e sentidos - mas também dói ficar no banco a ver jogar. verbalizar, de facto, ajuda e já sei o que farei: delicadamente vou perguntar, imediatamente antes de começar a escrever, se é com ou sem acordo e depois mediante a resposta, se fôr o caso, seguirei o caminho dos carneiros mascarada de lobo - até conseguir impôr e contagiar, por direito, abraços em sorrisos, o meu querido e estimado Português. é isso, galera, está tudo em cima bicho.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

no meio da confusão, de repente, isto.

"bom dia, 7 de Julho

ainda deitado a minha mente suspira por ti, minha amada imortal, de vez em quando alegremente, depois tristemente, esperando o destino, se ele nos ouvir. só posso viver contigo, ou de todo. sim, decidi estar o mais longe possível, até poder voar para os teus braços e sentir-me em casa contigo, e enviar a minha alma envolta na tua para o reino dos espíritos - sim, lamento, tem de ser. vais recuperar ao conheceres a minha lealdade; mais ninguém terá o teu coração, nunca - nunca! meu deus, porque é que alguém se há-de separar daquela que se ama tanto, sendo a minha vida em W. tão triste. o teu amor faz de mim o mais feliz e infeliz ao mesmo tempo. na minha idade preciso de alguma estabilidade na vida - mas poderá isso existir para nós? anjo, acabo de saber que há correio todos os dias - devo concluir, para que esta carta te chegue de imediato. tem calma - ama-me - hoje - ontem.
que saudades em lágrimas por ti - tu - a minha vida - meu tudo - até breve. oh, ama-me sempre - nunca duvides do coração fidelíssimo do teu amado.

L.
sempre teu.
sempre meu.
sempre nosso."

Ludwig van Beethoven
(1770-1827)

que vivam as cartas de amor. melhor: que haja amor passível de ser, além de vivido, também escrito.


contorcionar




a palavra do dia do Priberam é vigorexia. e fiquei a pensar em quem será o maior vigorexico da actualidade. lembrei-me de muita má e boa gente mas fiquei-me pelo dono do Cirque du Soleil: o despedimento de quatrocentos funcionários de uma só vez faz parte do coadunar o negócio com a performance do mesmo, interpretação contorcionista minha,  não tendo nada que ver com uma eventual crise instalada na empresa.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

madame

dei por mim a pensar assim, no mercado, sobre a abóbora:

madame meia descascada, e de pevide ao ar, a arejar, cor de vitamina, pele lisinha e malhada, semeia fisgados olhares, p'ra doce ou panelão, inveja das alfaces verdinhas ao sol a corar que suspiram assim: nunca mais chega o verão para sermos inteirinhas desejar.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

dormideira





caule em erecção, preguiça ao acordar, olhar de lua verdadeira: põe o chapéu, aperta o laço, sorri - é assim a minha de branco dormideira.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

pressão

uma das piores coisas que a vida tem, senão a pior - não sei bem, é a de se conseguir lidar e gerir e aguentar e ultrapassar a pressão que os outros fazem sobre nós - sobre aquilo que, o que querem que sejamos, somos. as maiorias servem para esmagar as minorias, não tenho dúvidas.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

vida da morte

ele dizia sempre que não queria ir ao hospital porque era lá que morreria - que o matavam.  e dizia-o em tom de riso, dizem, como piada convicta de domingo em família. era asmático e custava-lhe respirar, especialmente naquele dia, há três meses. quiseram levá-lo ao hospital e resistiu mas, como respirava mal, foi. nesse dia, nessa noite, deram-lhe medicação à qual era alérgico e morreu. morreu no hospital - mataram-no. e a mulher, enfermeira nesse hospital, sabe que lhe administraram medicação interdita. mas calou-se, não reagiu, por pensar, atendendo ao que ele sempre disse, que foi o destino .

(o destino faz-se anunciar e é esse o destino do destino? nesse caso o destino também morreu - mataram-no. foi a morte. é a vida.)