sexta-feira, 30 de novembro de 2012

tormenta




veste-se de lã fina a tormenta
sobretudo abotoado e nos bolsos ardil
calça vida de cano alto
solas de veludo, caladas, quem a vê passar?
e por debaixo vai nua como se água em cantil
em pele e em ossos na rua
tapada p'ra não chorar
é o riso, o choro da tormenta
que de tanto rir já não aguenta.

especializar diversificando




não é que não fique contente por ele, por nós, mas estou cada vez mais convencida dos lobbies nas artes: uma vez na ribalta - sempre na ribalta. existe uma predisposição natural no Homem para rejeitar o novo, o que é um perfeito paradoxo porque a arte vive, precisamente, do novo. até a recriação é feita do novo. mas investe-se sempre no seguro, no que está tido como certo. e depois, como aqueles casais que só querem um filho pelo motivo de quererem dar tudo a um só, esquece-se a alegria que também é a qualidade da quantidade: apesar de a especialização constituír vantagem competitiva, os monopólios são completamente devastadores dos mercados.

há maravilha

a grande vantagem da falta de dentes é, em ocasiões de festa, proporcionar, boca a nu, o deleite de máscaras naturais, versatilidade em destaque, engraçadas ou horriendas.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

conclusão da entrevista do último ministro

a dor social é exactamente provocada como a dor de corno: a consciência da realidade, de quem está a encornar, é absoluta depois do vir sucessivo em ajustamento da austeridade.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

é isto:

serenidade para aceitarmos aquilo que não podemos mudar;
valentia para mudarmos o que podemos mudar;
sabedoria para distinguirmos o que não podemos do que podemos mudar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

felicidade básica



 quando o povo bebe socialmente, não um copo mas aqueles que forem suficientes para se sentirem outros, nada em redor importa e os hálitos uns dos outros cheiram a gomas frescas - cheiram a alegria e a felicidade consoante a adrenalina vai aumentando; no dia seguinte, esquece lá isso de os halitosos a pato podre saberem o que são auroras e manhãs, já a si voltados perto da hora do jantar, o cheiro do pato podre continua a ser alegria e felicidade: tens um hálito que tresanda. tu também. eia, estou tão feliz, eu bem sabia que somos compatíveis! sim, somos, temos de comemorar. e assim morrem, vão morrendo, os patos. depois os patos ficam podres mas há sempre uma desculpa para acolher os patos podres e ser feliz. e a vida segue, tamanha felicidade básica, entre patos podres marinados em etanol.

obs.: os patos podres são os maiores condutores, e ejaculadores, do mundo.

sábado, 24 de novembro de 2012

obtusidade mórbida



gostei, e gosto, particularmente desta passagem que ilustra claramente a teoria de Deborah Tannen: "A espontaneidade corporal é muito mais natural na mulher do que no homem, o qual necessita de mediações do tipo desportivo ou higiénico para ter sensações físicas. (...) as mulheres usam a comunicação como se fosse uma rede afectiva, feita de confidências e longas descrições; pelo contrário, os homens falam exclusivamente para transmitir informações ou, no máximo, para resolver problemas." os que simplesmente não falam também os há.

depois, excepcionalmente, existem os homens-poesia - os que não cabendo apenas no rectângulo da comunicação obtusa (mas que não usam, obviamente, a poesia para auto-engrandecimento) são também dela feitos para serem. para serem homens. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

nobel

o suporte físico do prémio nobel da paciência só pode ser, não uma medalha; não um sofá, um banco rendilhado de jardim.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

é isso, é mesmo isso.

o que é, perguntou-me o Vasquinho com a boca ainda suja de chocolate, o amor?
olha, o amor é quando alguém consegue despertar - ou fazer aumentar - o melhor em nós e quando conseguimos despertar - ou fazer aumentar -, nunca o pior, o melhor em alguém.
acho que percebi: quando o meu mano nasceu eu comecei a portar-me melhor para a mãe descansar mais. e agora que nasceu o outro mano, também o Duarte se porta melhor e dá mais beijinhos à mãe.

aprender durante a dor

já não me lembrava de acordar de olhos colados, pestana com pestana, com super-remela três, tamanho o cansaço e vontade de ficar esticada, mamas estreladas no colchão e mãos que agarram a almofada.

passar muito tempo em um hospital, por pura amizade, pode ser motivo de aprendizagem pela observação e muitas, muitas perguntas. dicas para as mamãs e papás e para quem quiser saber:

a) a melhor técnica para acabar com a obstipação, além de introduzir o cotonete até meio - até áquela covinha onde se chega depois de um ligeiro desvio - será injectar uma pequena porção de glicerina líquida no rabinho do bebé. também pode ser usada em adultos mas com uma grande quantidade e, estive a pensar, talvez o cabo de uma colher de pau possa substituir o cotonete;

b) a melhor forma de provocar o arroto é pressionar com força, com força não é encostar, o meio das costas do bebé depois de colocá-lo na vertical contra o peito;

c) o leite só sai do bico se toda a zona do mamilo for pressionada. isto significa que muitas vezes o bebé está a agarrar no bico e a chupar absolutamente nada. há que meter toda esta zona na boca do bebé. para testar, a mãe poderá massajar - agarrando o mamilo como se faz com as vacas e, premindo, verificar que o leite sai de esguicho;

d) nada de colocar a fraldinha de pano, em rolinho, encostada à cabeça do bebé para aconchegá-lo: isso impedilo-á de se defender em caso de refluxo;

e) roupa a mais e calor a mais só geram desconforto e sobreaquecimento que poderá dificultar a respiração do anjinho;

f) para verificar se o bebé tem dores na barriga, ou concluir que o seu choro vem daí, massage-se a zona abdominal de forma a que se consiga unir, com os dedos de uma só mão, as extremidades. se tal não acontecer é porque o saco está cheio de caca e flatos;

g) um bebé feliz não precisa de grandes artifícios: precisa de amor, precisa da mama da mãe, precisa da voz do pai e de sentir absoluta serenidade, coração que palpita em tu-tu-tu, vinda da mãe quando está a mamar.

chamo a especial atenção para os pais mais ignorantes que, ou por escassez de recursos materiais ou por tradição da manutenção do brasão da desinformação de família, dão leite de vaca aos bebés: já nos vinte, ou nos trinta, serão adultos completamente podres e sem qualidade de vida.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Sciuridae




existem duzentas e setenta e nove espécies de esquilos. são mamíferos pequeninos, queridos, que se alimentam de sementes, adoram bolotas, frutas e insectos. fazem ninho nas árvores, têm bom gosto, são arborícoras os que conheço: são de actividade diurna e possuem os sentidos apuradíssimos - tanto que tento, por vezes, fotografá-los sem sucesso: ao mínimo ruído trepam para as copas onde permanecem até quando lhes apetece. tem dias que passo horas a apreciá-los, eles merecem ser apreciados. estou certa que também eles sentirão saudades minhas.

domingo, 18 de novembro de 2012

o riso da desgraça

 
construção civil(CALUTEIRO)
Prosetil,lda - Barcelos
Meus senhores isto é o seguinte esta empressa Prosetil,lda nao paga,pois eu tenho o meu marido ai a trabalhar e ja nao recebe a 2meses,e tenho provas de tudo para quem quiser,desde Agosto ate ao dia de hoje so lhe tem depositado o dinheiro aos poucos,numa semana deposita 200euros,na outra 150euros,na outra a seguir 250euro,e como esta empressa paga.
Voces nao seijam enganados por esta empressa como o meu marido tá,anda a passar dificuldades porque nao tem dinheiro para comer.
Nem o patrao aparexe onde ele ta para o mandar embora para PORTUGAL,nem atende o telemovel.

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vai morrer longe, angústia!

fui ver se conseguia trabalhar em um restaurante italiano: trezentos euros, contrato nicles, e um Maurício, o Senhor Maurício, a levantar-se e a meter as mãos na tomatada enquanto me entrevistava. nesse momento, depois de meses em angústia, senti que estava tudo errado - senti: pára tudo, Olinda, vais já a correr embora daqui e vais decidir aceitar que não depende de ti esta fase da tua vida. mas depende de ti ires para onde tens de ir, viveres como uma reina, a reina que és tu, e esperares que surja uma oportunidade de acordo com o que tu mereces. vais parar, vais mudar, e vais viver sem angústia. como que por um instante de magia, senti o meu mar serenar; todos os meus músculos relaxaram; a vontade de chorar deu lugar a um sorriso rasgado. e dormi tranquilamente durante toda a tarde como se estivesse, e estava, a ser orquestrada por pássaros pousados na orelha.

é no limite, sempre no limite, esganada pelas impossibilidades, que, afundando-me, renasço. começarei do zero, sim, mas com a maior força do mundo. e a casa, a minha casa, passará a viver no local mais meu que existe: dentro de mim. até conseguir, novamente, fora de mim. até conseguir.



sábado, 17 de novembro de 2012

o novo merdoso medroso

não gosto nada, detesto, de ouvir chamar velhos. o que é isso de velhos e relhos, bocas que deviam estar cerradas pelo odor que desnudam. obsoleto é quele que não vê na pele flácida e no cabelo que cai a sabedoria; velho é aquele móvel carcomido pelo tempo e pela saudade de ter guardado vestidos floridos da senhora; velho és tu que não vês no sorriso desdentado uma alegria, uma quentura. velhos são os teus intestinos que já estão podres de tantas fezes reteres. vá, caga-te todo, tu que não sei quem és mas que és aos montes, caga-te pelas pernas abaixo para perceberes o merdoso que és, o medroso do tempo que tem medo que o tempo goste de te ver passar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

coisas boas

hoje é dia do desassossego.
e o CD faz trinta anos.

tic-tac

a insónia não é mais do que um despertador baralhado, confuso, que toca no escuro e é bem claro: não te quero em pequena morte, o sono é uma pequena morte, dou-te apenas uma morte soluçada, cheia de falhas: tic-tac, tic-tac, toca a acordar, é preciso pensar, não parar de pensar. e depois fatigados - a insónia fatiga o sono e o sono fatiga a insónia, decidem ficar amigos e, repetirem por tempo imprevisto, tomarem chás na noite, nas noites. tic-tac, tic-tac, tic-tac.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

apinhalada por cima

tirar a casca aos pinheiros sabe-me bem e elas, as árvores, não zangam: faço-lhes madeixas escuras e ficam a parecer vacas a ver-nos pastar. tem dias, porém, que devo exagerar um pouco mas logo recebo o aviso: apanho com duas ou três pinhas que descem lá do alto e me dizem
 por hoje já chega!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

como? como?




quando Amélie Poulain se desfaz em água ou quando a mula se atravessa na linha de comboio para se suicidar. não há imagem melhor para uma emoção arrebatadora do que a de alguém (des)feita em água. nem para um desgosto de amor que é sentido como um comboio a trucidar-nos. a vida não é, não pode ser, pedigree cem por cento real - o que a vida tem de mais fantástico é, precisamente, a fantasia. é o véu transparente que cobre, descobrindo, toda a realidade. a fantasia é a poesia e o romance da vida, local absolutamente inseguro, o do embelezamento, para se viver em absoluta segurança. mas o mundo está cheio de gente com pedigree cem por cento real: um olhar não tem narrativa - um olhar é apenas a função vital dos olhos; uma carta é aquilo que se escreve para reclamar às finanças - não existem cartas de amor; a intimidade não é uma história de encantar - é uma sequência de fodas; um bife com batatas nunca é um momento de apreciação balsâmica - um bife é uma fatia da vaca que foi esquartejada no caralho do matadouro e as batatas são mero acessório transformado em óleo a ferver.

conviver com gente de pedigree cem por cento real teve sempre de ser desde que nasci, aguça-me a paciência e o engenho para a poesia e o romance, mas só porque no final - ou no começo, é quando calha - há sempre o oásis de recolha, o escape, a casa, a minha casa, onde posso descartar-me dos cheiros e das crostas que a convivência com eles me deixa na alma. mas e se deixar de ter a minha casa? como vou sobreviver no mundo do pedigree cem por cento real que não se coaduna comigo, eu que sou traçada, raça de prosa e poesia, de realidade com fantasia?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

portugalim

no século dezasseis nós jesuítámo-los. agora eles, do cimo da burra, e do cavalo lusitano, toureiam-nos: olé.

puro terrorismo

não percebo nada de sexo e muito menos de sexo anal, do gosto e das asas, mas estou certa que se for com alguém que eu ame e que me ame também vou adorar - principalmente porque será de frente, pelos olhos, o sexo faz-se a começar pelos olhos. não obstante, estou a sentir-me pornograficamente, violentamente, execravelmente, a seco, queimaduras em sangue, enrabada por trás. é assim que este (des)governo está a fazer-me sentir. este (des)governo terrorista tem atentado contra as fontes e os recantos e as oliveiras e os jardins do canteiro. este desgoverno tem atentado contra a vida, a minha vida. e todos nós, nós todos, só podemos valorizar e celebrar a vida se estivermos vivos. e é só.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

fazer

o banco alimentar mobiliza muitos recursos materiais e humanos para levar por tabela pelo que a Isabel Monet disse. disse e está dito. talvez esteja na menopausa e, durante a entrevista, terá sentido calafrios no cérebro. vamos, solidariamente, ignorar o que disse. vamos continuar a apoiar a iniciativa do banco alimentar e qualquer outra congénere. vamos ser melhores. vamos continuar a acreditar que valemos muito mais pelo que fazemos do que pelo que dizemos.

domingo, 11 de novembro de 2012

verdade?

a diferença que Jacques Lacan estabelece entre a verdade e o verdadeiro: a verdade está sempre relacionada com a singularidade de um sujeito e caracteriza-se, pela sua própria estrutura, por ser não-toda,  por ser  uma  meia-verdade. o verdadeiro  é o que se diz: 
e o que é dito? é a frase. mas a frase, não há meios de fazê-la sustentar-se em outra coisa senão no significante, na medida em que este não concerne ao objecto. a menos que (...) vocês postulem que não há objecto que não seja pseudo-objecto. quanto a nós, nos atemos a que o significante não concerne ao objecto, mas ao sentido          (LACAN, Seminário 17, 1992, p. 53).


(o real, o simbólico e o imaginário são os três registos da estrutura do ser falante: o real só pode comparecer como impossível, o simbólico corresponde às leis do significante, que são as mesmas da linguagem, e o imaginário refere-se ao corpo e ao sentido.)



terça-feira, 6 de novembro de 2012

espremedura correspondida

o que são dias difíceis? são aqueles que começam logo com uma nuvem preta mesmo por cima da nossa cabeça, daquelas nuvens que, ao invés de parecerem tufos de algodão doce, são esponjas encardidas dispostas a sugar-nos - ao mesmo tempo que desejosas de se nos torcerem bem do alto, d'alto - os raios de sol. depois, consoante o dia vai avançando, os dias são sempre no gerúndio, vamos sentindo nos ombros e nos ossos e na alma o peso da esponja espremida ao mesmo tempo que nos esprememos todos também. os dias difíceis são aqueles, pode parecer mentira mas é verdade, de perfeita sintonia entre o espremer e o ser espremido. os dias difíceis são de espremedura correspondida.


sábado, 3 de novembro de 2012

fungágá da arte

aqui.

(e isto do choque cultural faz pensar. é uma espécie de generation gap alargada à humanidade.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

na merda fica quem quer

uma coisa, já aqui escrevi um dia, será permitir que a minha cadela se liberte em locais onde os passos são constantes. outra, bem diferente, é deixá-la solta e livre a cagar onde lhe apetece em locais reservados, calmos, onde um poio faz a alegria do dia. o jardim aqui do condomínio é privado, uma mistura de árvores e relvas selvagens em que os dejectos do tamanho do meu dedo mindinho ajudam as castanhas a crescer e até as criancinhas que lá vão a saberem a diferença, na cor e na textura, entre a merda humana e a dos outros. é saudável, tão saudável quanto os poios gigantes dos bois e das vacas nas aldeias. por estes dias, uma vizinha cusca que andará a observar a alegria conjunta, a dela que caga e a minha de vê-la cagar, veio ter comigo e pediu-me que apanhasse as pequenas cagadelas porque os netos queriam brincar e tornara-se um incómodo. disse, obviamente, que sim, que não me custa apanhar apesar de não concordar e de me parecer algo ridículo até porque quando chove de um dia para o outro se desfaz e quando faz sol logo seca. qual não é o meu espanto: chego lá e deparo-me com o local cheio de papéis de rebuçados e pacotes vazios de leite no chão. falta de cidadania é isto, homessa, não é conviver com poios saudáveis. 

decidi, entretanto, apanhar a lixeira que lá estava e não apanhar a merda da Valquíria. veremos quem tem de aprender o quê.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

ciúme

na mitologia Grega Hera, esposa legítima de Zeus, vigiava o comportamento do marido nas inúmeras incursões amorosas dele. Hera, a primeira dama do Olimpo, não ousava tocar no marido em represália às escapadas - preferia perseguir e punir as amantes, a quem atribuía total responsabilidade pelas aventuras do companheiro.

o ciúme existe, sim, e ignorá-lo constitui uma repressão. mas o ciúme pouco tem que ver, pelos meus olhos, com deslealdade e infidelidade. quem quer alguém desleal e infiel perante nós? ora se não se quer não há lugar ao ciúme porque não sentimos ciúme do que não queremos. como uma cortina de tule que se abana com a frincha da janela aberta, assim é o ciúme. quando nasce pela primeira vez, ou pela segunda a reforçar uma primeira, o ciúme, per si, não é prova de amor: dedicação, admiração, desejo, apoio, comunicação, omnipresença e renovação são provas de amor. o ciúme é apenas a tal frincha que, noção exacta de perturbação e interesse, faz a cortina abanar.

perceber e compreender isto é o caminho para perceber o outro e, com maturidade, não deixarmos que aquele sinal de que, de facto, aquela pessoa nos perturba não se tornará em uma perturbação narcísica e negativa da posse do outro mas antes em uma perturbação positiva que nos faz perceber que se sentimos interesse é porque o outro vale a pena e, ao mesmo tempo, que valemos mesmo a pena por sentirmos que sentimos interesse por quem, e só por quem, vale muito a pena.

cada. um.

o som das árvores que abanam, quando muitas e juntas, assemelha-se ao do mar. e confundem-se. no chão, os cogumelos, que estão em silêncio, não se importam com o barulho porque estão a crescer. hoje, nota-se bem a diferença em relação a ontem: uns estão maiores e outros decidiram romper. há ainda os que ficaram desfeitos pelo medo - o medo leva as gentes a destroçar cogumelos, calcam-nos como se a extinguir um mal. e depois ficam os pedaços esponjosos espalhados por ali e acolá, a estupidez faz com que o medo concentrado se espalhe (como se o cogumelo inteiro e em silêncio, a crescer, fosse pior do que fragmentado e exposto). no fundo, as árvores e o mar e os cogumelos servem para explicar o que se passa no mundo das carnes que andam e falam: cada árvore é única mas se se juntar ao grupo a voz passa a ser igual. o mar, o mar é um só, poderoso, que ora sussurra ora barafusta. os cogumelos são o povo. e todos crescemos em silêncio apesar do agitar das árvores cujo barulho se assemelha ao mar. e o mar, ai o mar, o mar é a nossa consciência: cada um sabe o que vale em sua consciência; cada um sabe que vale, não pelo que diz, pelo que faz. e é nisso que tem de fixar-se para ser, se quiser ser, cada vez maior aos olhos do seu mar e eventualmente aos do mar de quem o seu quer olhar e ser olhado. cada um. cada. um.