terça-feira, 31 de julho de 2012

meditação

chorar. precisar chorar tanto quanto precisar de rir. chorar é uma libertação muito mais aproximada de urinar do que de defecar - quantas vezes não precisas de fazer força, de laxantar a vontade para defecar? urinar é sempre naturalmente espontâneo. é como chorar. é como rir. chorar com toda a intensidade, fazer catarse, expiar por elas, pelas gotas, o que está a mais. e lambê-las: reciclar desperdícios; e depois rir, rir muito, rir com as gotas até depois da última gota ter-se exibido nua, as gotas não usam sequer triquinis - último grito de modernidade, e rematar assim o que te dita, com o que me dita. 

pára tudo.

choro, vá, agora sou eu e tu; vem, riso - só estamos nós os dois. vamos petrificar o instante, fazer a casa, o jardim nasce depois - e é por isso que chorar, e é por isso que rir, é uma das melhores formas de, te ditar e me ditar, meditação.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

(trecho do relato do jogo)

algures, em campo, entre a divergência e a traição está Relvas - o árbitro com apitos de vidro.

sábado, 28 de julho de 2012

são as árvores de natal que apontam o dedo

é bizarra a imagem de quando apontamos um dedo: vá visualiza, e se precisares faz o gesto para que não restem dúvidas, o apontador em riste e os outros três dobrados como que escondidos para não serem vistos. evito sempre fazê-lo, as visões afuniladas - ao contrário das periféricas - conduzem quase sempre ao engano. no máximo, quando a necessidade de verdade obriga, encho bem a minha mão, que é pequena, e esfrego-a bem nos olhos. os olhos são um oceano de conhecimento, um alfabeto de expressão, uma tabuada de memória. e é quando precisamente eles fogem, eles os olhos, que a mão - não é um dedo meramente esticado a esconder os outros - é tão certeira como as missas das dez ao domingo ou como as sardinhas prateadas nas festas populares ou como os ciclos de sangue nas mulheres ou como as algas no mar ou ou ou. 

isto porque pensei nas árvores em geral e no pinheiro que continua a crescer no canteiro da minha janela em particular: à altura acompanha-se-lhes a profundidade; o que está à vista tem exactamente a mesma beleza das raízes que vivem no mundo do debaixo. isto porque os olhos são os ramos e as folhas verdes com as raízes ao fundo quando não são, caixa com um kit montável de ramos pintados e suporte instável, plástico feio que é preciso cobrir, árvores take away de natal.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

água justa

entro numa empresa bem cedo. observo tudo à minha volta e confirmo, sentido de humor bem apurado, se na carteira não trago, efectivamente, um regador. dou duas ou três gargalhadas mentais - por fora apenas se me adivinha um sorriso tranquilo: em todos os vasos e recipientes com plantas há etiquetas que dizem "proibido regar as plantas". depois de algumas horas de formação sobre a cultura da empresa cujas palavras sonantes são amor incondicional, verifico a razão de ser das etiquetas: eles esperam que quem colabore com eles seja uma daquelas plantas frágeis - esperam que os colaboradores sejam capazes de crescer e de dar flor sem que os alimentem; esperam que sejam capazes - por amor incondicional à entidade - de dar sem receber, trabalhar sem esperar remuneração. pego no telemóvel para ver as horas, penso rapidamente e enceno um compromisso inadiável. saio. já a toque com a ignição volto para trás e dirijo-me à máquina da água - encho com completude um copo e escolho a planta do vaso redondo e verde. despejo-o como que num brinde, com água, à justiça. e agora sim, sigo o meu caminho de amor incondicionalmente justo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

sakuras, beleza efémera, não

qualquer uma das muitas filosofias japonesas se rege pelo princípio da melhoria contínua como um processo do bem-estar de dentro para fora e sempre na aproximação à natureza: é assim nas práticas de administração e gestão, na arte, na vida quotidiana. viver cada dia em cerimónia de chá, elegância de kimono, sol - não nascente - renascente, primaveras quentes em montanhas vulcânicas, em perfeita harmonia com o que somos, identidade de olhos em bico, só pode ser - e é - maravilhoso.

(e os fazedores de corpo presente nas massas, cambada de imitadores que vão na corrente, identidades manetas e pernetas - incapazes de baterem punhetas porque o sexo sem personalidade é o ópio do povo - que se vão encher, bichinho comum, de moscas)

terça-feira, 24 de julho de 2012

breve tratado sobre a lealdade da não-lealdade

a lealdade é, sem dúvida, o pilar da amizade. e esta última distingue-se, por isso mesmo, do coleguismo. entre colegas a lealdade existe apenas no sentido de firmar, finca-pé de superficialidade, que para ela não há lugar.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

domingo, 22 de julho de 2012

não te deixarei morrer, poesia

chama-se Transporte Sentimental e é o novo blogue do que me é tão querido José do Carmo Francisco, o Zézinho, uma das figuras que durante tantos anos encheu de beleza o Aspirina B. na mesma linha a que nos habituou, escreve memórias passadas e as por vir - não fossem estas últimas, porventura, momentos criativos que se transformam em eternidade, as melhores.

fica, então, a minha sugestão para uma leitura assídua de um dos homens que continua a jurar ao mundo que a poesia não há-de morrer. ele invoca e eu convoco: com uma grande, enorme, salva de palmas.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

epítase

a questão da dúvida sobre a autoria de grande parte das obras de Shakespeare, o bardo, está agora mais levantada do que nunca. é como se o Homem, em história, precisasse de inventar histórias para fazer História. pegando no "ser ou não ser, eis a questão", passou a haver dificuldades em se aceitar se afinal a criatura terá feito somente uma hamleta depois de misturar amor em romeu e julieta. a importância passa a ser dada - não à obra - ao que poderá não ser (ou se afinal for que bom que é). desonestidade intelectual em causa, quase quatro séculos depois de o bardo deixar de respirar, é uma epifania prolongada fodida - principalmente por ele não poder defender-se. é o que se poderá chamar de epítase à medida das frustrações da modernidade.

terça-feira, 17 de julho de 2012

sexo oral

uma mulher acha que já ouviu de tudo. e engana-se. ah, pois: quando se chega de uma maratona psicológica com o pai, ser filha é sempre uma corrida prolongada de grande fundo, e de uma espera infernal em plena VCI por conta de trabalhos nocturnos, nervos em bicos de pés, com a estupidez do povo que prefere pendurar-se nas pontes a ver as obras andar do que fazer uma outra coisa qualquer que não inclua capacetes, botas de biqueira de aço e coletes reflectores, e se estaciona no café - não é num café qualquer mas no café, naquele, no the one -, como se remédio para a descompressão, ouve-se histórias do arco da velha. melhor - ouve-se histórias do arco daquilo que é apanágio do ser irreverentemente jovem: histórias de sexo que não é brando, é bravo. diz-me o mestre da barca, adulto de barba cerrada e charmosa, particularmente interessante, que tenho de experimentar aquando da minha pergunta sobre a definição; diz-me o discípulo tenro, barba por romper, que é daquele do tipo trigolimpofarinhaamparo, traztraztrazjáestá. riso, muito riso, boa disposição, ouvidos apurados que captam o essencial do acessório - os meus. 

o início da vida no mundo dos adultos tem a particularidade dos viços: a exuberância que faz com que tudo pareça leve e forte, a força que contagia. e é, pois, saudável que os adultos, de quando em vez, se misturem com adolescentes, adultos ainda por madurar, que nos dão a ideia de sermos poderosos pela admiração que nos devotam e pela alegria que nos fazem nutrir.

(eu só posso dizer que ambos, tanto o sexo bravo como o outro, o que não é bravo, o que merece que no fim, aquele fim que é sempre um recomeço, se diga exactamente como se pensa e sente: bravo!, são deliciosos temas de conversa - trata-se, bem visto, de sexo oral. porque tudo pode ser motivo de conversa. porque conversar, fazer oral, tanto quanto navegar, é preciso.)

domingo, 15 de julho de 2012

ó Relvas, ó Relvas, Badajoz à vista: és contrabandista

Relvas é um homem muito à frente do seu tempo, do pensamento do mundo contemporâneo, e conseguiu fazer em um ano o que eu - em tempo mínimo exigido - levei cinco, a bolonhesa só se justifica em estudos d'alquimia de mesa, a fazer. isto pode levar-nos a concluir que talvez o senõr Relvas, sem qualquer outro motivo que não altruísta, viva já em regime de eurocidades, futuro à vista, tamanha é a quantidade de caramelos, sem fronteiras, que amealha.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

o escandaloso lobbie do mundo dos autores

participo, amiúde, em campeonatos e concursos de escrita. da última vez, uma obra de oitenta e muitas páginas que ao que parece seria a vencedora foi excluída pelo júri através de uma metodologia muito simples e eficaz: alteraram alguns items do regulamento a que estava sujeita e passei, sem sequer ter conhecimento a não ser por conta própria à custa de muita curiosidade irrequieta, a estar fora da avaliação por não ter idade até trinta anos.

não fosse eu suficientemente convencida do meu talento e da minha raridade enquanto mulher, porque são as pessoas que dão dignidade às obras e não as obras que dão dignidade às pessoas, a minha pudicícia aplica-se a muitas outras coisas que não estas, estaria agora banhada em choro, estima rasteira, de manifesto. mas não: eu quero que todos os culpados, que vêm ao caso, de serem corruptos vão apanhar no cu com um ferro bem quente e que restem queimaduras irreversíveis que os façam sangrar, até com um simples e leve flato, até ao fim dos seus dias.

(obrigada aos autores das fotografias que tão carinhosamente se deixaram escrever e obrigada ao grande Rentes de Carvalho pelo maravilhoso elogio que me ofertou)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

e esta, hein?

é assim mesmo: o racismo, a xenofobia, o terrorismo, a violência, a ignorância de quem não quer saber, a indelicadeza - são-me altamente inibidores de tesão e de desejo. por outro lado estimulam a minha glândula, de estimação, da repulsa que se chama - acabei de baptizá-la - Gabriela.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

reflexão de quarta-feira

com tantos avanços e recuos no preço dos combustíveis é mais que certo que o primeiro ministro não quer assumir que está apaixonado, aquela instabilidade estável, pela crise.

terça-feira, 10 de julho de 2012

o que eu gosto de uma boa ventania

quase sempre são correntes frescas que agitam as multidões - gosto mais de lhes chamar ventaneiras pela imagem de volta à tripa que me sugerem. isto a propósito da notícia sobre a senilidade de Gabriel Garcia Marquez, de Gabito, de um dos escritores dos meus olhos, amigo de tantas travessias, o melhor contador de histórias do mundo. e é isto que é ser senil neste mundo de sãos: é conseguir ver o que não está ao alcance dos olhos; é entrar por dentro do que está dentro; é viver repleto de alegria e humor, o que só conseguem fazer os sãos quando estão alienados. a senilidade é isto, é viver para contar até ao fim dos dias que temos. e eu recuso-me a aceitar que o Gabito esteja a ficar são. escrever-lhe-ei a mais linda carta para que renuncie a esta cólera que são os tempos de sanidade - vou lembrá-lo do amor.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

a vingança do etanol


bom dia apurados

a palavra do dia do priberam é rotacismo e não podia ser melhor: é à segunda feira de manhã que os érres, ora por excesso ora por defeito, se fazem sentir - érres em rescaldo de rotos, de rudes, de rascas, de roscofes, de reles, de ruins.

(a cortesia, a delicadeza, a elegância, a suavidade, enfim, a variedade de letras é tão deliciosa que só está acessível a poucos: aos apurados.)

domingo, 8 de julho de 2012

expectativas versus esperanças

são difíceis de gerir, as expectativas. e dão um trabalho enorme para conseguirmos mantê-las - acabar com elas poderá ser a coisa mais fácil do mundo se o caminho por onde queremos seguir é o da facilidade. e não, não quero o fácil porque o fácil sabe - não a merda porque a merda faz crescer e o sabor deve ser de pôr as pupilas em saltos de banhada de água -, provavelmente, e digo provavelmente porque não lhe sei o sabor, a mijo ácido. foi sempre assim: os atalhos, caminhos quase sempre manhosos e rápidos, sempre me atulharam de sentidos proibidos; as cartas sempre as escrevi - e escrevo - à mão; nunca entendi o fascínio pela epídural nem pelo puré de saco; neguei sempre o quase e o mais ou menos com olho no tudo. são difíceis de gerir, as expectativas, e se há alturas em que, tal e qual como um copo que cai no chão, as queremos ver fragmentadas, táxi de apanhador rumo ao caixote do lixo, outras - as bem mais assíduas outras - cuidamos delas como se de bebés se tratassem: amámo-las incondicionalmente com o leite da imunidade e limpamos-lhes o rabinho vezes sem conta por conta de evitarmos assaduras. e vamos vendo o bebé crescer com a única garantia, a melhor, do mundo: sabemos o que lhe damos sem sabermos no que se irá tornar aquando da passagem de adolescente para adulto. e é nessa altura, e só nessa, que - ao contrário do que é ser mãe ou ser pai - devemos decidir se deixamos cair o copo ou não.

o dicionário também lhes chama, às expectativas, esperanças. mas não posso concordar: as esperanças são sopros do coração e as expectativas são lufadas da razão. gosto das duas mas falo apenas das primeiras porque a inutilidade de falar das segundas impera - as esperanças são tão intensas que rejeitam as palavras; as esperanças só sabem sentir.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

ouvir dizer que tenho uma estranha forma de vida merece um pequeno apontamento: há quem no viver se vista de casual - eu visto-me de laços.

terça-feira, 3 de julho de 2012

o homem é o animal mais fraco da selva

 meia noite, sono espantado, leitura, zapping por excepção. Cathouse na SIC Radical, nunca tinha ouvido nem visto nem lido, e curiosidade a mil. castings para a profissão: duras. uma delas tinha como talento conseguir enfiar uma banana inteira, esquece lá isso que podia ser das da madeira, pela garganta sem a danificar; outra transformava-se em uma boneca articulada passível de meter ao bolso; uma outra baseava-se no histerismo para se diferenciar das demais. as peças funcionam ao mesmo tempo como reportagem e reality show: depois do proceso de selecção, e instalação delas na quinta, vêem-se excertos do trabalho de cada uma com os clientes e também as experiências que fazem entre si. dizem-se viciadas em sexo mas fiquei convencida que serão viciadas em dinheiro pela forma como negoceiam cada performance. nada me chocou mas tudo me surpreendeu. surpreendeu-me a falta de intimidade, os risos encenados, os sexos sem rosto. mas o que mais me surpreendeu foi constatar que qualquer um dos homens que ali entrou - vi três peças -, como que bezerrinhos frágeis a aprenderem a andar, se rendeu perante a possibilidade de ser controlado e ainda pagar por isso. questionei-me, mesmo antes de decidir adormecer, se cada um daqueles homens alguma vez satisfez, ou tentou satisfazer, as suas vontades e fantasias com a mulher com quem dorme ou se será a adrenalina provocada pelo desconhecido, pecado implícito a ser evitado pelo afecto, que dita a procura por sexos usados e gastos como se fossem, e não são, tanques do povo que lava no rio - nada se compara ao cheiro fresco da roupa acabada, não de sujar, de lavar.
observo, em outro dia, o processo de acasalamento entre um macho e uma fêmea em plena selva e percebo tudo: é à fêmea que cabe o papel de escolher quem nela vai pousar e o homem é o único animal que, medo em punho de ser rejeitado, paga, não para pousar, ser pousado. o homem é o animal mais fraco da selva.

(às excepções, que o ser reles não é obviamente universal, aqui fica a minha admiração)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

hoje já lá vão dois golos na baliza da alegria

está explicado o porquê de cá em casa as plantas, beleza que salta à vista, serem tão felizes: vêem cor, intensidade e direcção.

gooooooooosssssssssss

Goethe é uma daquelas palavras que nós, por cá, não sabemos como se pronuncia - ora sai goude ora entra guete. e é aborrecido quando queremos dizê-la em alta voz, materializar pensamentos, e há necessariamente uma pausa forçada quando chega ao nome deste senhor genial na arte que é, saber pensar, escrever.

fui à procura de material audio para suportar as minhas dúvidas. pelo caminho, descobri esta frase tão interessante - do homem do nome que é difícil pronunciar - que veio apoiar inequivocamente a minha teoria de que a arquitectura também é poesia: "a arquitectura é música petrificada".

(fiquei feliz. é muito bom sentirmos retorno, retorno do que é mesmo bom, daquilo que pensamos acerca dos detalhes do mundo)

http://diekarambolage.wordpress.com/2012/02/13/como-pronunciar-goethe/

domingo, 1 de julho de 2012

reflexão de domingo

ambos, o bom humor e o bom amor, são filhos da embriaguez sem vinho. mais: um homem que sem vinho é mal humorado só pode ter aquilo que merece - ser mal amado.