quarta-feira, 2 de novembro de 2011

viver dói

viver é mesmo difícil. 

eles eram dois e agora são quatro - uma amiga que não tem paciência para os pássaros, trouxe-mos e adoptei-os. gosto mesmo muito deles e só não os solto porque, tendo sido criados em cativeiro, morrem e a viver numa casa que vivam comigo que os entendo e amo. vieram numa gaiola pequena - os meus vivem numa gigante com tudo o que os pode fazer felizes: limpo-lhes a casa todos os dias, as paredes estão pintadas e frescas,  os baloiços estão decorados a cetim e há um espelho amarelo que toca ao baloiçar e uma banheira da mesma cor, também com fundo de espelho, para se assearem. na lateral, há uma borboleta verde muito grande que lhes garante protecção e alegria, tanta que eles - o Jaromil e a Josefina - adoram picá-la para repousarem os cansaços. e os outros dois chegaram para habitar o grande chalé. tirá-los do quarto antigo não foi fácil: ela resistiu um pouco mas deixou-se apanhar facilmente mas ele, ai ele, ainda me doi sentir as bicadas nas mãos e nos ouvidos. e de tanto que fez força contra mim, fiquei-lhe com o rabo comprido que tinha na mão e uma das patas ficou afectada, inutilizada. agora a casa tem alguém que está mais frágil e eu nem sequer posso abraçá-lo para me desculpar do que fiz sem fazer, mas a verdade é que ficou com as capacidades reduzidas e mais limitadas. alegra-me apreciá-los com atenção e verificar que naquela casa existe compaixão e solidariedade: o Jaromil e a Josefina receberam-nos muito bem e cruzaram-se logo com eles no baloiço e, é difícil de acreditar, eu sei, todos ajudam o pequeno Gouchinha a esquecer que pode contar com uma só pata: ajudam-no a aceder aos locais menos fáceis de pousar e a troca de beijinhos e de afectos é constante. parecem-me todos felizes pelo alvoroço de canções que vão, ora ensaiando, ora ao desafio, oferecendo a quem quiser ouvir. 

viver é mesmo difícil quando pensamos que, mesmo sem querer, temos sempre nas nossas mãos a vida dos outros.