terça-feira, 8 de novembro de 2011

a Rosa

chama-se Rosa e vive, não sei bem se vive ou apenas aguarda que morra, ou estará em morte progressiva, talvez a morte não pertença ao mundo do definitivo e escala-se, há oitenta e cinco anos. sei que passa os dias numa cadeira, a uma só perna, a um só olho; sei que não usa calcinhas para ser mais fácil urinar e defecar; sei que come apenas refeições preparadas segundo as suas indicações; sei que faz questão de demorar trinta minutos exactos, nem mais nem menos, a lavar os dentes; sei que lava também, todos os dias e no mesmo local, na cozinha, o seu olho postiço. mais não sei. mas imagino que seja uma mulher forte que persiste em ser independente. e que tenha muitas histórias para contar. pareceu-me precisar muito de mimo e de atenção, como precisam todos os que são fortes. a casa tem um cheiro feio, os cheiros feios sentem-se na temperatura ambiente: abre-se uma porta e a um passo do fora para o dentro a temperatura faz toda a diferença quando nos invade, com terrorismo, a zona superior da cabeça e o centro do estômago. a casa tem um cheiro feio e as janelas nem sequer abrem - e nem sequer fecham, estão sempre assim, quietas, tal e qual a Rosa.

não vou lá voltar porque não quero, não quero adoptar mais uma vida. não posso esquecer-me, ainda mais, de mim.