quinta-feira, 31 de março de 2011

aMar o Mar

é nas águas que as pernas se abrem
,que a alma visível se enrosca,
,que as forças meiguinhas se tocam,
nuas nos poros molhados
,sem engano,
do corpo invisível cansado.
chamo-lhe imensidão
, refresco afinado à tensão,
sal dos dias contados
sem engano.
toque leve e bravio dos montes
, como se mãos que pegam em fontes,
som ouvido.
som cantado.
e com sol e com sal elas fecham-se assim
, esperma de mar que fundo afunda em mim,
as pernas da alma visível
que molhadas respiram - enfim.

quarta-feira, 30 de março de 2011

fruta, tremoços e flores

se gostasses, Homem, mesmo, mesmo, de fruta e de tremoços e de flores - comias tudo.

(e não deixavas as cascas nem os caroços. e as flores, nem as deixavas secar: mastigavas as pétalas suaves e guardavas o seu perfume. e os espinhos, Homem, haviam de ser cócegas, picadinhas gostosas, palmadinhas gostosas em ti.)

terça-feira, 29 de março de 2011

130kg de merda a quem os merece

assiste-se à maior crise de sempre. e não, não falo de crise económica nem tampouco da política - falo da crise de valores. esta gentalha não vale a ponta de um pintelho, e não é dos meus que são preciosos, e é por isso mesmo que não dá valor ao que e quem, de facto, o tem. um formador acabou de de ser excluído de uma equipa - após finalizar uma formação cuja avaliação foi boa - com o argumento de não ter uma boa imagem. penso: não se lavou e cheirava mal e levava maracoto no cabelo? os sapatos estavam rotos e viam-se as meias também rotas e o chulé passou de fininho? não lava os dentes nem vai ao dentista e quando falava tresandava um hálito a pato podre e os olhos fixaram-se, não no que estaria a dizer, mas no castanho da dentição? usa óculos e apareceu com eles colados a fitacola e as lentes levavam macacos que saltaram do nariz? tem uma pila tão grande que a levou aconchegada ao pescoço e dispensou o cachecol? 

não, não, não, não não. o senhor foi dispensado porque pesa 130kg.

 
(e se eu pesasse 130 kg e fosse dispensada do que quer que fosse, havia de cagar 130 kg de merda em cima de quem me dispensou. quero agitar as águas e vou descobrir quem é - contar-lhe a verdade, que não sabe, e fazê-lo cagar-se todo. literalmente.)

desBottonada

como diz Botton, a inveja funciona assim: se formos pequenos e vivermos entre pessoas da mesma altura, não somos atormentados por questões de tamanho; se houver alguém que cresça mais do que nós, sentimo-nos perturbados e surgem sentimentos de privação - mesmo o nosso tamanho não ter alterado um milímetro.

(ora bem, existem teorias reais que alimentam, bottonam, a realidade. serei desbottonada desde a nascença por nunca ter sentido vertigens Kunderianas?)

segunda-feira, 28 de março de 2011

púbisteiro

um azeiteiro é aquele para quem ser piolho - ladro é um elogio.

casamente

não, ele não tirou a aliança do dedo porque é um cabrão - mas porque está a ser sincero.

a arte sac(r)a

a arte sacra, em ouro ou prata, serve a liturgia. e a liturgia não passa de uma casquinha estética, um esconderijo, por ser precisamente uma obrigatoriedade pública. vai daí, não entendo muito bem porque ainda roubam carros no porto para assaltar, expeditos, ourivesarias em coimbra: não faltam igrejas, de norte a sul, de portas bem abertas.

domingo, 27 de março de 2011

vir? não: ir em pobreza

curiosamente, após ouvir falar em moteis, não percebo o fascínio das gentes, se algum dia for a um será para - a rir - fazer uma crónica, o dicionário diz assim: Hotel nas imediações dos grandes itinerários rodoviários e especialmente preparado para recolher e guardar as suas viaturas.
 agora vou ver o significado de viatura. já está:  Qualquer veículo para transporte de pessoas ou de coisas.

(já sei de onde vem o fascínio: o motel é fascinante para quem transporta sonhos, e os sonhos são sempre privados, frustrados e, por isso, faz questão - ao recolhê-los e guardá-los - de os deturpar em locais absolutamente públicos. os moteis são o parque de estacionamento rico dos sexos pobres.)

sábado, 26 de março de 2011

intestérebro

os panados podem, sim senhora, ser uma arma de arremesso ao sol quando alguém abre um recipiente com fêveras temperadas a cru.

quinta-feira, 24 de março de 2011

semi-nários

não sei bem se é muito bom sinal quando a única coisa interessante que se fica a pensar, em jeito de balanço, de um seminário é por que caralhos o recinto tem o nome de sala Henry Tillo. e pergunta-se e ninguém sabe responder. e pesquisa-se e quase não se encontra. quase. parece-me que já morreu e que foi presidente da Associação Portuguesa de Têxtil nos anos 90 (digo eu que tiro pelas entrelinhas do quase nada que fala sobre ele).

e se um orador se fixa em ti, talvez se encontre no sorriso tranquilo sei lá, também dá que pensar no que poderia ser feito se ele não o fizesse. será que não lhe passa pela cabeça que um cabelo enorme pode muito bem enroscar-se no riacho por entre os montes e que é urgente mexer-lhe? ou que um glúteo pode ter uma comichona - irritado pela posição de delonga? ou que a chicla verdinha pode querer respirar e com a boca fechada só dá amargar?

(chiça-penica que eu gosto mesmo é de totalnários)

tarte contempo

não, não existem desculpas para não tomar um pequeno almoço diferente em casa. e a falta de tempo? sem tempo é a desculpa mais sem culpa que pode haver. explico: levantar, libertar águas e polvinhos e lavar as mãos. de seguida, pegar na massa quebrada e estendê-la, no que estiver mais à mão, no tabuleiro ou na tarteira. vá, vai ligando a fornalha. entretanto, só precisas do leite condensado e de três ovos e de um limão ou de uma laranja (escolhe consoante estiveres a precisar da acidez masculina ou da doçura feminina) e faz assim: espreme e raspa-lhe a casca e mistura no leite condensado, assim como as gemas dos ovos porque as claras vais batê-las à parte. finalmente colocas a mistura no fundo e as claras por cima. enquanto metes no forno, vais lavar as pevides e vestir-te. este seria o tempo que levarias a engonhar. quando chegares à cozinha, a tarte estará pronta e só tens de acompanhar com chá ou café, ou com o que te apetecer, e com um sorriso rasgado.

(não é o tempo que é escasso - és tu que foges dele)

quarta-feira, 23 de março de 2011

terça-feira, 22 de março de 2011

pelo ouvido vive o peixe

torna-se impossível não sorrir perante determinados sons. acontece, tanta vez, sentir molenguice ou desânimo e lembrar um som e procurá-lo e fazê-lo ouvir-se e já está. não digo ficar em festa mas os olhos, como se os dentes ficassem à mostra, rasgam e a boca, como se estivesse a ver tudo, canta.

(se se diz que pela boca morre o peixe, então eu atrevo-me a dizer que é pelo ouvido que o gajo vive)

sábado, 19 de março de 2011

espera acaixonada

e lá estava ela, corpo a tremer de frio e mente a zimbrar de quente, imóvel de fronte para o caixão. e assim passou a noite quando, bem cedo, alguém que chega pergunta: mas afinal quem é, ninguém a conhece, e o que faz aqui tanto tempo seguido? quando o conheci ele disse-me: estou morto por te foder. e eu, nunca mais me cansei de esperar.

quinta-feira, 17 de março de 2011

o povo diz que se um morto comer uma azeitona com caroço, eu como sempre os caroços: será que ando antecipada?, antes de morrer, no local onde for enterrado nascerá uma bela oliveira.


(há que comer uma azeitona com caroço todos os dias? e se for de manhã, para prevenir, melhor?durante a madrugada não será jogar pelo seguro visto que o acordar pode não acontecer? antes do enterro, em situações de engolimento omissas, deverá enfiar-se uma, das pequeninas, pela goela abaixo? e se se for tipo supositório? não será mais fácil colocar uma, ou até duas, ou até duas uma de cada cor, imediatamente em cima do caixão? e se o morto for cremado será que o caroço arde tanto quanto o silicone? e se for assim, tudo isto, portugal baterá a produção de azeite como nunca visto e será esta a salvação para a balança da nação? às azeitonas, às azeitonas, que o caroço está a crescer; às azeitonas, às azeitonas, deixem as gentes morrer. : e se o refrão do hino mudasse?)

quarta-feira, 16 de março de 2011

pé de feijão

ouvir uma história do arco da velha pode ser o início para uma fantasia de pé de feijão.

(pode ser que um dias destes um feijão manteiga germine dentro de mim e venha desaguar nos ouvidos. e, depois, puxo e abana tudo cá dentro e, antes disso, digo: segurem-se bem - aos que estiverem a lanchar pendurados na árvore)

a munda

o mundo, o mundo no feminino, divide-se em duas partes completamente assimétricas: a parte maior, gigante, onde cabem as mulheres domesticáveis e a menor, em fimbriado, onde cabem as simplesmente amáveis: as mundas.


terça-feira, 15 de março de 2011

acoplar, dizem elas

no início eram as baratas, depois o homem, ou o homem e depois as baratas, já desde as cavernas, e depois tornou-se impossível umas coexistirem sem os outros. na verdade, o que de comum têm baratas e homens e  homens e baratas é a real capacidade de adaptação ao meio.

na verdade, e sempre na verdade porque não minto, a única diferença entre os homens e as baratas é o facto destas últimas nascerem com um par de cercos, nada que lhes seja imposto, com uma função verdadeiramente útil e nobre: olfactar, por um lado, e de serem capazes de sobreviver a um desastre nuclear, ao invés do homem, por outro. de resto, nem ao albinismo escapam.

acoplar, dizem elas sempre em tentativa de amizade; despegar, dizem eles sempre em tentativa de rejeitar a semelhança e provocar afastamento.

(não sei porquê: as baratas, prefiro chamar-lhes carochas, carochinhas, são de trazer por casa)



segunda-feira, 14 de março de 2011

néscisar, não: cavalgar

chamar burro, enredo por entre buzinas agressivas e filas cerradas, a um condutor pode ser, nos dias que correm, uma alta motivação para descarregamento de fúrias e frustrações: facadas e tiros. mas se lhe chamares néscio, dás-lhe tempo para ele só descobrir o seu significado quando chegar a casa ou ao dicionário mais próximo. e fica tudo, como deve ser, esclarecido e tranquilo, sobre rodas.

domingo, 13 de março de 2011

reinvento

dizem que não há sábado sem sol nem domingo sem missa nem segunda sem preguiça. não pode ser antes não há sol sem sábado nem domingo sem assado nem segunda sem pecado? é que eu também adoro a chuva e comida boa e dias certos pintados de incerto.

não, não me parece que exista talento em estado gasoso: ai que alento

sábado, 12 de março de 2011

questionpeare

tenho a certeza absoluta, fonte seguríssima intuitiva, que o meu querido Shakespeare, olhar debruçado sobre a geração à rasca, a nossa, a nossa salvo-seja que eu sou desenrascada, escreveria assim:

two beers or not two beers: that's the question.



sexta-feira, 11 de março de 2011

deixa a possessividade e não lhe chames crise

os portugueses drogam-se de possessividade todos os santos,  não fosse o nosso rabinho da Europa um país de católicos, dias: querem uma casa comprada, ainda que demorem trinta anos a pagá-la e que essa mesma casa valha, em juros, três vezes mais, para ser deles; querem ter um carro novo e giro - já não se vê gente com carros do tempo da mariacachucha: português que é português tem de ter "uma máquina" para ir lavar e aspirar ao domingo nem que para isso se individe até à ponta.

nunca se viu tantos casais desesperados por um T3 novo, a aguardarem a melhor altura, e a adiarem a alegria porque vivem crentes que a alegria não se aluga: compra-se. e são estes casais que, sem poesia, entre uma e outra queca falam assim: só a Polónia tem mais contratados a prazo do que Portugal, é a crise, e ainda bem que a Grécia rebentou senão passava-nos as palhetas, que crise.

(tu não me chames portuguesa se também te disseres, enquanto estiveres a lavar a viatura ou a mandar a pêra, português. antes disso, deixa a possessividade e não lhe chames crise.)

pega lá disto e mexe-te:


quinta-feira, 10 de março de 2011

mundisia

poesia por todo o lado, que maravilha, porque a poesia é como o leite que sai da teta. não, não é ilusionismo, tampouco lunatismo: a poesia é força, é vida, é saúde; a poesia pode e tem de ser a vida real.

(manifestem-se contra as infecções, que são as únicas possíveis, filhos de uma teta sem leite)